As discussões giram em torno das nossas afrodescendências na sociedade brasileira bem como das questões de gênero e educação. Como enfrentar as marginalização e exclusão permanentes desta sociedade com raízes colonizadoras-racistas?
domingo, 8 de maio de 2022
terça-feira, 1 de março de 2022
AFRODESCENDÊNCIAS – HISTÓRIAS, IDENTIDADES, SUBJETIVIDADES COLETIVAS
Dos escombros, dos picos, das
planícies, dos rios e lagos, das savanas, dos serrados, das florestas e dos
territórios dos afetos e epistêmicos, corpos-saberes afrodescendentes em
diásporas emergiram em todos os cantos do mundo (que conhecemos) como
“humanidade”, que, depois, foi escrita como “Humanidade”
eurocentrada-ocidentalizada. Viramos uma experiência de ordem global/local
“cartografada” em livros didáticos e histórico-identitários?
Vozes ancestrais ecoam nestas cartografias de linhas escritas, inscritas em nós mesmas/os. E, nos ensinam que os traços trançados aí desvelam afrodescendências tecidas nas fronteiras entre uma história que quis ser única e universal e muitíssimas histórias que são únicas e plurais, nas permanências e/ou diásporas dos nossos cotidianos. As lâminas que fatiaram territórios e vidas, não puderam fatiar as nossas territorialidades e vivências. Estas ecoam persistentemente e resilientemente a todo momento. Mas, como ecoamos? Como e o que é ser afrodescendente? O que estamos chamando de Afrodescendências – no plural?
Para ecoarmos as mensagens mais relevantes para/da humanidade, precisamos lembrar, sustentando que numa sociedade racista como a brasileira: “preservar a sanidade mental é privilégio” como diria o Ricardo Corrêa (2022, p. 02), enfrentando as atitudes e comportamentos. Contra os valores e atos que desumanizam as pessoas viabilizando uma sociedade de “neuróticos” (FANON, 2008), é imprescindível saber que as imagens negativas e históricas do povo de origem africana precisam ser substituídas (“desconstrução”) “pela reconstrução de novas imagens que o libertem da alienação e da negação de sua humanidade” (CORRÊA, 2022, p. 4). Parece que Fanon (2008, p. 26) aponta para o eco mais central e mais ausente – “O problema é muito importante. Pretendemos, nada mais nada menos, liberar o homem de cor de si próprio. Avançaremos lentamente, pois existem dois campos: o branco e o negro”. Sim, para fazer o mundo lhe escutar, tem que se ouvir primeiro.
Das possibilidades atualmente imagináveis, podemos dizer que ser afrodescendente é possuir linhagem genética de origem fenotipicamente africana (especialmente dos povos sulsaarianos no continente africano) de diversos períodos históricos. Assim, há afrodescendentes do continente, como também, há das diásporas. Da mesma forma, há afrodescendentes não fenotípicos, mas são as pessoas que reconhecem as suas origens, mais longínquas como seres humanos, afrodescendentes porque ativamente conscientes de fazerem parte da humanidade. Ser AFRODESCENDENTE é ato político. Ser afrodescendente é aceitar a sua HUMANIDADE. Ser afrodescendente é reconhecer a validade de uma HISTÓRIA e as suas teias de histórias individuais e das de pequenos grupos socioculturais.
Deste modo, Afrodescendências seriam referências aos dinâmicos modos enriquecedores de se pensar – se conceber – se reconhecer – se aceitar – se afirmar – se expor – se defender – se apresentar – ser/sendo Afrodescendente individual e coletivamente. Afrodescendências são reconhecimentos das humanidades de outros povos também. Com as descendências como base das histórias nacionais-locais, as inclusões sociais seriam facilitadas. Narrativas como outras explicações-justificativas como o que segue, ficarão mais frequentes e menos hostilizadas.
A colonialidade, precedida pelos colonialismos europeus como projeto moderno/global/capitalista/epistemicida (mas, não de toda a Europa) negou outras formas de civilidades complexas (sociedades outras, inclusive na própria Europa) e trouxe suas invenções apelidos desumanizadores como “negros”, “índios”, “amarelos”, “mestiços”, “pretos”, “africanos”, “asiáticos”, “indianos” para demarcar geopoliticamente povos ditos “não-brancos”, que se situavam nos lugares que foram inventados também como África, Ásia, América, Caribe e outras terras inventadas como não-europeias (?). Mas, parece que era preciso enfatizar que não tínhamos história-descendência, para que estes apelidos funcionassem político-social-culturalmente. E para que a influência econômica (sedução capitalista), o poder colonial (aspectos bélicos da colonização), bem como, a colonialidade de poder (aspecto cultural e epistêmico da colonização) se concentrassem nas mãos daqueles que teciam estes mapas estruturantes (religiões, estéticas, políticas, práticas de gestão – economias, sociedades). Assim, nos parece que outros termos foram sendo criados dentro das nossas identidades cotidianas para escaparmos das exclusões, que esta experiência global-local nos obrigou a enfrentar-sobreviver. Submergidos nessa cartografia de subalternização, aprendemos a solapar esta estrutura racista (machista, sexista, homofóbica e outros instrumentos excludentes semelhantes) e a nos manter vives. Como fizemos isso? Só saberemos responder se ouvirmos as nossas próprias histórias, as histórias das nossas-nossos. Mas, como ouvir o que muitos calam? Como ouvir o que fala por outros discursos e não por uma história eurocentrada?
Com as resistências políticas, sociais, econômicas e culturais, estamos conseguindo continuar a caminhada, porque os nossos passos veem de longe, e sabemos que devemos-podemos continuar caminhando em trilhas diversas e com passos individuais-coletivos possíveis/sendo construídos.
Muitas-os-es de nós continuam calando como modo, tática de enfrentamento das discriminações e autodisciplina, para não despejar toda raiva-frustração histórico-cotidiana das nossas realidades em quem não merece. Controle e disciplina pela vocação humanitária (ontologia humana) visando humanização dinâmica do mundo-planeta – existências planetárias!
Sem mostrar as riquezas da sua família, seria a pobreza que lhe definirá, dizia a minha avó em Serra Leoa (Francis Musa Boakari). Assumir que, no que temos existem valores intrínsecos, seria uma prática a ser aprendida-assimilada-operacionalizada nos nossos cotidianos. Tentativas permanentes e pequenas vitórias autodefinidas são mais importantes que conquistas grandiosas.
Desde os primeiros contatos com a Europa, existem outros discursos antes dos europeus. São estes, os discursos nossos que precisam ser reconhecidas-valorizadas-proclamadas, acima de tudo, por nós mesmas-os-es. Sem assumir o que é nosso, o que é dos outros, persistentemente, teria mais espaço-atenção-respeito-valor-cobiça.
De novo, como boas estudantes das culturas humanas, que continuamente aprendemos a ser, é melhor repetir questões que julgar.
Voltamos as duas primeiras questões e outras, também, muito relevantes nestas ponderações identitárias: Como e o que é ser afrodescendente? O que estamos chamando de Afrodescendências – no plural? Para você leitora/r, estas questões são importantes? Com qual frequência pensa em questionamentos assim? Você já conversou com alguém sobre questões deste tipo? Por quê?
Passeando pela Revista Capitolina (FREITAS, 2016), encontramos o seguinte trecho:
Na época em que morei fora do país era comum ouvir os meus amigos e conhecidos falarem com informações bastante detalhadas sobre seus ancestrais. “Meu avô paterno é filho de um austríaco com uma italiana. Ele veio pra América e conheceu a minha avó, que é filha de um russo com uma francesa”, e eu achava essas histórias incríveis. Eu ouvia aquilo tudo muito atenta, impressionada com essas ligações que reportavam às mais antigas gerações. Mas quando chegava a minha vez de falar sobre os meus ancestrais, a única coisa que eu sabia dizer é: “Os meus antepassados vieram da África”. E nada mais.
Neste, podemos perceber o que essa história eurocentrada provocou em nós. Um sentimento de não pertencimento? Talvez seja importante ouvir outra historinha. Vamos lá?
No dia 22 de fevereiro de 2022, fomos visitar o Museu do Piauí/ Casa Odilon Nunes (MUP), lá encontramos algumas salas de exposições, nas quais estavam “inscritas” narrativas históricas que nos fizeram refletir bastante. Em várias destas salas, havia mobiliário de madeira, artesanato piauiense, entre outras peças de relevância para nossa história, que foram trabalhadas por artesãos e artesãs afrodescendentes e indígenas destas regiões nossas. Mas, chamou-nos atenção, o fato de apenas em uma sala, a sala “Cultura Afro”, ser mencionada como uma narrativa afrodescendente. (Diário de pesquisa dos autores do texto, dia 22.02.2022, Teresina-PI).
Esse passeio nos ensinou que
temos histórias afrodescendentes (e indígenas) gritando por todos os lados, mas
não estamos conseguindo narrar. Talvez porque ainda acreditamos que não temos
história. Deste modo, será impossível ouvir os gritos que nos ensinam como e o
que somos. Talvez, aprendemos a não questionar os apelidos que nos
subalternizam, pois, estes não nos dão o trabalho de ouvir os gritos que ecoam
por toda a cartografia de lembranças da nossa família, sociedade. Talvez a
história da nossa família não recupere uma narrativa parecida com as narrativas
de descendência eurocentradas, mas, certamente, nos ensinarão que somos
afrodescendentes. E, no plural. Porque temos muitas histórias. Não somos um ramo seco nesta floresta. Além
disso, mesmo que não consigamos ver as raízes de uma árvore, não quer dizer que
esta não as tenha.
Ao procurar um conjunto de raízes, porque sabemos de suas existências que precisam ser evidenciadas, há outras que a gente nem precisa procurar. Tanto se evidenciam que parecem tocar nos olhos, batem nos ouvidos, e até tiram o ar dos nossos pulmões. Falar das histórias afrodescendentes (e indígenas) numa narrativa de um museu contemporâneo numa capital nordestina brasileira, dizem tudo sobre outra descendência cuja presença é tão ofuscante, tão atual-histórica, que nem precisa ser nomeada. A sua ‘presença soberana’ está no silenciamento sobre ela e a sua ‘invisibilidade’, constitui o ar respirado. Com a presença ubíqua, não precisa mais nada.
As Afrodescendências combatem o encaixotamento das nossas identidades com nomenclaturas castradoras das nossas histórias e agências históricas. Como nomenclaturas heteroatribuídas, facilmente legitimam os colonialismos de todos os tempos e permitem as colonialidades com seus efeitos epistemicídas. As Afrodescendências como construções auto-atribuídas e auto-descritivas, viabilizam desenvolvimento e adaptações continuadas de nomenclaturas outras. Elas apontam para e incentivam reconhecimento de identidades emergentes, deixando explícita a complexidade destas nas suas diversidades. Identidades estas comprovando que no final das contas, o ser humano sendo um ser em construção permanente, precisa de descritores com características inclusivas, incentivando abertura para estudar-analisar-entender e trabalhar com outras pessoas em sociedades que não enterram suas cabeças na areia, para não trabalhar políticas públicas que tentam diversificar nas diversidades.
As Afrodescendências são dedos nas feridas das colonizações – pás nas mãos de arqueologias outras – modos de pensar em mentes objetivamente persistentes – e bocas emitindo palavras que humanizam todas-es-os. SEMPRE! E, por que são “dedos na ferida colonial”? Porque suscitam que contemos as nossas histórias (diferentes e tão iguais em suas complexidades). Porque descender é ter histórias para contar e não se fixar em uma história única mal contada.
REFERÊNCIAS:
CORRÊA, Ricardo. Ser negro é estar em estado de permanente dor. Instituto Humanitas Unisinos, ADITAL. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/615628-ser-negro-e-estar-em-estado-permanente-de-dor. Acesso em: 10 fev. 2022.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
FREITAS, Júlia. De Onde Viemos: a história dos afrodescendentes no brasil. Ano: 2, 24º. Ed., 8 mar. 2021. Disponível em: http://www.revistacapitolina.com.br/de-onde-viemos-a-historia-dos-afrodescendentes-no-brasil/. Acesso em: 27 fev. 2022.
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022
sábado, 5 de fevereiro de 2022
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